A partir do momento em que o alimento é produzido se iniciam pequenas transformações que ao passar do tempo se tornam perceptíveis. A vida de prateleira é o tempo em que essas alterações chegam ao limite de sua aceitabilidade. Esse tempo pode ser longo (meses ou anos) ou pode ser curto (dias ou semanas) depende das características dos produtos e dos processamentos em que foram submetidos.
O objetivo deste artigo é apresentar os primeiros passos para definir a vida de prateleira do seu produto. Dessa forma, serão apresentadas as características dos produtos que influenciam em suas transformações ao longo do tempo, quais são as transformações, quais são os fatores intrínsecos e extrínsecos ao alimento e o que consideramos na hora de definir a vida de prateleira.
1. VIDA DE PRATELEIRA: ALIMENTOS PERECÍVEIS E ALIMENTOS ESTÁVEIS
O prazo de validade é uma informação necessária e legal tanto para o fabricante, como para o consumidor, pois auxilia no planejamento das etapas de produção até o consumo:
- Fabricante: Produção 🡪 Armazenamento 🡪 Distribuição 🡪 Comercio
- Consumidor: Compra 🡪 Armazenamento 🡪 Consumo
O conhecimento da cinética, como as alterações ocorrem durante o tempo, auxilia o fabricante em suas estratégias de produção.
Condições adequadas de temperatura, umidade relativa, luz, entre outros, podem estender o prazo de validade.
Sabendo se que os alimentos sofrem transformações com o tempo e que as características do produto assim como os processos submetidos alteram a vida de prateleira, é possível classificar os alimentos em dois grupos:
Alimentos perecíveis: são aqueles que “morrem” aos nossos olhos, possuem uma vida de prateleira curta, devido principalmente a reações microbiológicas e enzimáticas.
Esses alimentos possuem características intrínsecas que favorecem o crescimento microbiológico ou ação de enzimas, como por exemplo alta atividade de água, pH, carga microbiológica, temperatura…
Exemplos: carnes cruas, vegetais, frutas, alimentos minimamente processados, refeições prontas,…
Alimentos estáveis: são aqueles “duros de morrer”, possuem uma vida de prateleira longa e as principais reações que ocorrem são as não biológicas.
Geralmente, esses alimentos passam por tratamentos térmicos ou outros processos que possuem o objetivo de destruir o microrganismo.
Suas características intrínsecas também podem inibir ou destruir os microrganismos e/ou enzimas.
Os grãos, por exemplo, possuem baixa atividade de água o que retarda sua deterioração.
Exemplos: enlatados, leite UHT, molhos, alimentos secos como biscoitos, macarrão, leite em pó, gelatina em pó,…
2. PRINCIPAIS TRANSFORMAÇÕES EM ALIMENTOS
Como apontado no tópico 1 os alimentos são classificados em dois grupos devido ao tempo em que as transformações ocorrem, definindo a vida de prateleira como longa ou curta.
Dessa forma, podemos separar as principais transformações que ocorrem nesses grupos de alimentos:
Alimentos perecíveis: senescência, degradação microbiológica, reações enzimáticas,…
Alimentos estáveis: degradação química (oxidação, escurecimento não enzimático – reação de Maillard, degradação de vitaminas…), mudança de cor, alterações sensoriais,…
Abaixo estão apresentadas as principais características de cada transformação:
Degradação microbiológica: ocorre através do crescimento de microrganismos que utilizam o alimento como substrato para obterem energia, assim como os seres humanos. Deve-se evitar que o microrganismo deteriore o alimento, rapidamente, antes de chegar à mesa do consumidor.
Na degradação microbiológica pode ocorrer mudança de textura, sabor, odor, cor e até produção de toxinas.
Características intrínsecas do produto o tornam mais susceptível ao crescimento de microrganismos, como alta quantidade de água disponível (Aw), ausência ou presença de oxigênio, pH elevado, temperatura…
Para alimentos vulneráveis ao crescimento de microrganismos, podem ser realizados processos térmicos para sua destruição ou outros processos com o mesmo propósito de destruir ou inibir.
Senescência: ocorre quando o tecido do alimento é privado de fonte externa de carbono e nitrogênio, dessa forma, é utilizada a própria fonte de energia (carboidratos, proteínas e gorduras).
Esse processo faz com que o alimento envelheça e se torne mais susceptível a microrganismos.
Reações enzimáticas: ocorrem quando as enzimas são liberadas através do rompimento de estruturas do alimento. Assim, elas catalisam reações que podem ser indesejadas, como escurecimento, alteração de textura, geração de odor e sabores desagradáveis.
Existem tratamentos que podem ser utilizados para desativar essas enzimas, como o processo de branqueamento ou adição de ácido para reduzir o pH ou redução ou excesso de substrato.
Oxidação lipídica: ocorre em alimentos que possuem gorduras insaturadas e são expostos ao oxigênio. A reação entre esses componentes gera produtos indesejáveis que alteram sabor, odor e até perda nutricional.
Para alimentos propensos a oxidação lipídica são muito utilizadas embalagens com barreiras a oxigênio.
Reação de Maillard: ocorre em alimentos que possuem proteínas (aminoácidos) e açúcares redutores. Pode ser uma reação desejável em alguns casos, mas indesejável em outros, gerando escurecimento, amargor, alteração de odor, entre outros, podendo causar perda de qualidade no produto.
Degradação das vitaminas: processo em que ocorre hidrólise pela presença de luz, oxigênio, calor ou alteração de pH. As vitaminas são sensíveis a esses fatores alterando assim o valor nutricional do alimento.
Podem ser utilizadas embalagens com barreiras à luz e oxigênio com o intuito de estender a vida de prateleira.
3. FATORES QUE AFETAM AS TRANSFORMAÇÕES EM ALIMENTOS
Existem os fatores intrínsecos e extrínsecos ao alimento que influenciam nas alterações que ocorrem durante o tempo de vida de prateleira do produto.
Dentre os fatores intrínsecos tem-se atividade de água (Aw), pH, contaminação microbiológica e enzimas e como fatores extrínsecos tem-se o processamento, a embalagem, temperatura e as condições de distribuição, armazenamento e varejo.
Fatores intrínsecos:
O pH e Aw são variáveis dependentes da formulação e estrutura do produto. Pode-se utilizar ingredientes e aditivos para atingir o pH e a Aw de equilíbrio desejado no alimento. É importante levar em consideração se o produto possui componentes com estruturas diferentes, ou é homogêneo, está no estado líquido, sólido, pastoso, entre outros. No caso de alimentos que possuem recheio úmido, deve-se levar em consideração que essa umidade pode afetar a Aw da camada externa ao recheio, afetando sua Aw final de equilíbrio.
Acidulantes que são utilizados para redução do pH: ácidos tartárico, málico, lático, fosfórico, sendo o ácido cítrico o mais utilizado.
Ingredientes com características hidrofílicas são utilizados para reduzir a água livre no alimento (Aw) devido à facilidade de se ligarem à água.
A contaminação microbiológica depende da natureza e qualidade da matéria prima, por isso é muito importante as boas práticas agrícolas e de fabricação para garantir a qualidade da matéria prima, que influencia diretamente no produto final. O desejável é uma matéria prima de qualidade com pouca contagem microbiológica e que seja mantida durante o processamento.
A IN 60 define padrões microbiológicos para o alimento comercializado, então é necessário que a empresa defina seus padrões de qualidade da matéria prima para oferecer um produto de acordo com os padrões microbiológicos da legislação.
As enzimas também são um fator intrínseco ao alimento e que podem provocar alterações indesejáveis no produto, como por exemplo em suco de laranja a pectinesterase pode afetar a turbidez do suco. Por isso, é importante conhecer as características da matéria prima para prever as possíveis alterações que ela pode sofrer.
Fatores extrínsecos:
A embalagem, o processamento e as condições de distribuição, armazenamento e varejo podem ser utilizadas para proteger o alimento da umidade, temperatura, oxigênio, luz e interações químicas que possam ocorrer.
Durante a fabricação pode ser desenvolvido o crescimento microbiológico da contagem inicial que estava presente na matéria prima ou ela pode ser contaminada pelo ambiente ou procedimentos das etapas de produção. Dessa forma, é essencial o controle e monitoramento de todos os pontos que apresentam perigo em contaminar ou aumentar a contaminação no alimento.
Como por exemplo, a não aplicação de resfriamento rápido após tratamento térmico que pode ativar esporos de termófilos.
A embalagem é primordial para estabelecer uma importante barreira contra umidade, oxigênio, luz e contaminação. A umidade pode afetar a textura do alimento, principalmente os secos que podem perder sua crocância, além de aumentar a Aw podendo propiciar o crescimento de alguns microrganismos. O oxigênio pode reagir com alguns componentes como a gordura e pigmentos, o que leva a perda de qualidade para o produto. A luz pode induzir foto reações, como a foto oxidação, que pode por exemplo levar a formação de hidroperóxido.
As condições de armazenamento, distribuição e varejo podem ser controladas para estender a vida de prateleira. A umidade e a temperatura influenciam bastante na velocidades das reações, dessa forma, controlando esses parâmetros algumas reações podem ser retardadas.
4. FATORES PARA DETERMINAR O PRAZO DE VALIDADE
O alimento pode passar por várias transformações, então a definição do prazo de validade é baseada em qual transformação?
Primeiro, é essencial listar as possíveis reações que podem ser desencadeadas no seu produto, depois relacionar a principal transformação com os tópicos abaixo, se seu produto está associado a questões de saúde, segurança ou deterioração do alimento.
– Questões de saúde: alimentos que são utilizados para fins especiais, ou seja, são consumidos com o intuito de oferecer determinado nutriente para o consumidor, como suplementos, onde o consumidor necessita de determinada quantia de vitamina declarada no produto.
Deve-se levar em consideração o tempo de degradação do componente principal do seu produto, como vitaminas, minerais, prebióticos, entre outros, para determinar por quanto tempo eles estarão presentes nos níveis declarados nos rótulos.
Normalmente, esse tipo de produto possui alegações nutricionais ou de propriedades funcionais.
– Razões de segurança: alimentos onde é possível o crescimento de microrganismos patogênicos ou de produção de quaisquer substâncias tóxicas.
Deve-se identificar os microrganismos para assim prever o tempo em que o alimento é considerado seguro para consumo, antes que o microrganismo cresça ou produza toxina em níveis inaceitáveis.
– Deterioração: produtos neste grupo possuem como principal alteração a deterioração, não há perigo de crescimento de microrganismos patogênicos ou a deterioração ocorre antes do seu crescimento.
Deve-se definir o prazo de validade em função do tempo em que o alimento comece a se deteriorar, como por exemplo alterações físicas, químicas e bioquímicas que podem interferir no odor, cor e textura do alimento.
5. CONCLUSÃO
Para fixarmos os pontos importantes desse artigo, vamos colocar os primeiros passos que se deve conhecer sobre seu produto antes de iniciar um estudo de vida de prateleira:
- 1° passo: Saber se o seu alimento é/será um alimento perecível ou estável;
A partir dessa informação já podemos inferir se a vida de prateleira será longa ou curta.
- 2° passo: Identificar os fatores intrínsecos ao seu alimento;
Conhecer as características de pH e Aw do produto inteiro, considerando todas as partes.
Contagem microbiológica na matéria prima e saber se há enzimas presentes no alimento ou que irão se ativar e podem ser um problema;
- 3° passo: Identificar os fatores extrínsecos ao seu alimento;
Sabendo os fatores intrínsecos ao alimento é possível definir a embalagem propícia com barreiras à componentes, podendo retardar reações indesejáveis.
Importante analisar todo o processamento, realizar levantamentos de possíveis perigos durante o processo e por fim, quais serão as condições de armazenamento, distribuição e comércio do seu produto.
- 4° passo: Após conhecimento do produto e suas alterações, definir o fator mais crítico para analisar sua cinética e estabelecer a vida de prateleira.
Após esses 4 passos, o estudo da cinética : plano de amostragem e análises, já podem ser iniciados. Para tanto, existem metodologias de planejamento experimental para implementar o estudo da vida de prateleira. Lembrando sempre de levar em consideração as particularidades do seu produto.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 60, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2019.DOU. Publicado em: 26/12/2019 | Edição: 249 | Seção: 1 | Página: 133. Ministério da Saúde/Agência Nacional de Vigilância Sanitária/Diretoria Colegiada.
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Guia para determinação de prazos de validade de alimentos, versão 1. 2018.
Autores:
Daniela Almeida Vega – https://www.linkedin.com/in/daniela-almeida-vega-13b490a9/
Alfredo de Almeida Vitali – https://www.linkedin.com/in/alfredovitali/
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